Pesquisa mapeia vulnerabilidade ambiental do Litoral Sul de São Paulo
As belezas naturais e a biodiversidade das regiões litorâneas podem esconder um cenário de alta fragilidade do ponto de vista ambiental. Sensíveis às mudanças físicas e à ação do homem nos locais, são áreas que necessitam de estudo e planejamento detalhado, para que flora, fauna e comunidades humanas possam viver em harmonia, sem trazerem riscos ao ambiente, nem serem por ele prejudicados. No Estado de São Paulo, a região do Litoral Sul, que abrange as cidades de Iguape, Cananéia e Ilha Comprida, é um exemplo claro dessa realidade. O local é um dos mais pobres do Estado e, desde o período da colonização do país, sofre com os efeitos do extrativismo e da falta de planejamento para as ocupações de suas terras.
Para auxiliar o poder público e instituições responsáveis por esse tipo de organização, uma pesquisa de doutorado, realizada no Instituto de Geociências da Unicamp, investigou a realidade natural e humana dessas cidades e cruzou dados geográficos e sociais para mapear os riscos ambientais aos quais a região está submetida. O autor da tese é Edson Antonio Mengatto Junior, que contou com a orientação da professora Regina Célia de Oliveira (IGE) e coorientação do professor João dos Santos Vila da Silva (Embrapa). Além de identificar os pontos de maior risco ambiental, a pesquisa também chama a atenção para as vantagens de se utilizar informações de geoprocessamento para esse planejamento e para a importância de os moradores do local conhecerem esses dados, para que eles mesmos possam ser agentes de preservação da área.
Vulnerabilidade ambiental: união de fatores
Edson é geógrafo formado pela Unicamp e mestre em Geografia também pela universidade. Ele escolheu trabalhar com o mapeamento das áreas do litoral Sul de São Paulo depois de conhecer mais os trabalhos desenvolvidos pelo Núcleo de Estudos em Áreas Litorâneas (NEAL). Junto ao grupo, decidiu aplicar os conhecimentos sobre sistemas de informação georreferenciada, reunidos ao longo de sua trajetória desenvolvendo pesquisas na Embrapa Informática Agropecuária. Segundo Edson, a opção de analisar o litoral Sul do Estado ocorreu, principalmente, pela possibilidade de estudar e contribuir com uma área que ainda apresenta poucos dados reunidos sobre os aspectos físicos e o desenvolvimento social da população, sendo que os existentes são de difícil acesso.
A proposta da pesquisa foi então oferecer à população do local e aos responsáveis pelas tomadas de decisões sobre o desenvolvimento regional um mapeamento das áreas de maior vulnerabilidade ambiental da região. Para isso, foi necessário dar à localidade um olhar amplo, que envolvesse tanto os aspectos físicos da região, como topografia, geologia e compartimentação do relevo, quanto às características sociais da comunidade, tais como escolaridade, empregabilidade e acesso a serviços básicos como água encanada e coleta de esgoto. Isso porque as vulnerabilidades ambientais são medidas a partir da avaliação dos dados físicos e sociais.
“A gente trabalha com o conceito de suscetibilidade física para podermos compreender a o período de formação desta área, que torna os processos de erosivos mais acelerados em função do período recente de formação. Já quando a gente trabalha com a vulnerabilidade social, falamos propriamente do homem localizado nessas regiões, e quando a gente pensa nesses locais a gente fala de um processo de ocupação dessas regiões de maneira desordenada, onde não existe um planejamento adequado e aí algumas regiões podem sofrer consequências extremamente sérias”, explica Edson.
Planícies apresentam mais riscos
A região do Litoral Sul de São Paulo compreende uma área de cerca de 3,4 mil Km², sendo predominantemente plana. As maiores altitudes são encontradas no Norte do município de Iguape, ainda na região da Serra do Mar, e na fronteira com o Paraná. Diante de um relevo assim, quem está acostumado a ver regiões de encostas sofrerem com os riscos de deslizamentos, como acontece em cidades do Litoral Norte, na Baixada Santista e em outras regiões da costa brasileira, pode pensar que a área é praticamente imune aos efeitos da erosão. Mas ocorre o contrário: as planícies são justamente as mais sensíveis às erosões, tornando toda a região suscetível aos processos físicos.
Isso se deve ao fato de ser um local de formação geológica recente, com pouco tempo de consolidação dos materiais. “No litoral Sul, as áreas mais íngremes são de formações mais antigas, derivadas desde o período pré-cambriano, o que faz com que os processos erosivos ocorram mais intensamente nas áreas mais planas, nas planícies costeiras. Isso ocorre por serem áreas de formação recente, do período quaternário, o que faz com que essas regiões sejam extremamente suscetíveis, elas sofrem processos erosivos e depositários com muito mais intensidade”, explica Edson, que também aponta como riscos à região o aumento das marés e o avanço da linha costeira especialmente em eventos de ressaca do mar, o que tem prejudicado especialmente moradores da zona nordeste de Ilha Comprida.
Outro fator determinante para os riscos sofridos pela região é a forma com que ela foi explorada ao longo dos anos. Edson comenta que a ocupação dessas áreas remonta o período da colonização do país, época em que o cultivo de arroz para a colônia, posteriormente ao império, representava 90% da economia local. Os prejuízos ao ambiente se agravaram a partir da abertura do canal artificial Valo Grande, em 1852, ligando o Rio Ribeira até o Porto de Iguape. Ele foi construído para facilitar o escoamento da produção ao oceano e permitir que navios de maior porte pudessem adentrar a região. No entanto, a intervenção aumentou os riscos de erosão na costa e prejudicou as áreas de mangue. “É importante a gente lembrar que, além da própria formação física já ser um processo recente, que faz com que seja bastante suscetível, a gente também associa o homem, que acelera os processos dentro da ocupação dessa área”, ressalta o pesquisador.
Efeitos no desenvolvimento humano e na vulnerabilidade ambiental
Hoje a ocupação do litoral paulista é regida pela Lei 10.019/1998, que estabelece o Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro. De acordo com ele, a costa do Estado é dividida em quatro regiões distintas: Litoral Norte, Baixada Santista, Vale do Ribeira e Complexo Estuarino-Lagunar de Iguape-Cananéia. Diferente do Litoral Norte e da Baixada Santista, os zoneamentos do Vale do Ribeira e da região de Iguape-Cananéia ainda estão em elaboração, deixando a área vulnerável às ocupações irregulares e a exploração indevida dos recursos naturais.
Os dados do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) levantados pela pesquisa mostram que as três cidades – Cananéia, Iguape e Ilha Comprida – vêm passando por um processo de desenvolvimento de 1991 até 2010, a que os dados se referem. Cananéia saiu de um IDHM de 0,450 para 0,720, Iguape foi de 0,473 para 0,726 e Ilha Comprida saiu de 0,451 para 0,725. De acordo com a escala, o desenvolvimento humano das cidades é calculado de 0 a 1, quanto maior o desenvolvimento, mais próximo de 1 é o índice.
No entanto, os municípios ainda estão atrás de outras regiões do litoral paulista. Segundo o Atlas do Desenvolvimento Humano do Brasil, São Vicente, na Baixada Santista, apresentou um IDHM de 0,768 em 2010. Já Caraguatatuba, no Litoral Norte, tinha o índice calculado em 0,759.
A tese também avalia dados que calculam a vulnerabilidade dos três municípios, levando em conta características como a renda média dos moradores, longevidade e escolaridade. Foram compiladas informações de dois índices, o Índice Paulista de Responsabilidade Social (IPRS) e o Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IVPS). Os dois classificam as cidades em classes e grupos, do mais desenvolvido ao mais carente. De acordo com o IPRS, Cananéia apresenta bons indicadores sociais, ainda que com uma baixa riqueza. Porém, Iguape tem indicadores considerados intermediários e Ilha Comprida, indicadores insatisfatórios. Já o IPVS aponta áreas de média e alta vulnerabilidade nos três municípios.
Assim, cruzando dados relativos aos aspectos físicos da região com informações sobre o desenvolvimento humano do local, o pesquisador chegou ao resultado do índice de vulnerabilidade ambiental da área, organizado em um mapa. De acordo com ele, 42% de toda a região apresenta alta vulnerabilidade, 27% vulnerabilidade média, 19% baixa vulnerabilidade e 11,7% vulnerabilidade muito alta. Apenas 0,05% da região apresenta índice de vulnerabilidade muito baixo.
Acesso é importante para o planejamento
A pesquisa realizada por Edson traz contribuições importantes para prefeituras, secretarias e esferas de governo responsáveis pela elaboração de políticas de planejamento urbano e de ocupação do solo. No entanto, ele argumenta que também é necessário garantir esse acesso à população, por meio de sistemas abertos de dados, como os sistemas WebGIS. Segundo ele, conforme as pessoas se familiarizam com as informações sobre a região onde vivem, passam a contribuir com o uso do solo mais consciente e também a cobrar políticas e ações concretas do poder público.
“É importante que esses levantamentos não fiquem apenas no trabalho, mas que eles se expandam por essas regiões e pelo poder público, já que é uma região muito carente de informações. E, quanto mais informações forem disponibilizadas, por artigos científicos ou trabalhos realizados nessas regiões, será possível que se tenha um avanço nas condições de planejamento e de tomadas de decisões por parte do poder público, se utilizando de dados produzidos pelas universidades”, reflete Edson, que espera ver seu trabalho auxiliando no desenvolvimento do Litoral Sul do Estado.