Pesquisa aponta que mudanças no ambiente causadas por espécies são importantes para ecossistemas
Um estudo publicado pela revista Nature Communications mostra que a atuação de espécies que promovem mudanças no meio ambiente é importante para a formação e manutenção dos ecossistemas, tornando-os mais estáveis. É o caso, por exemplo, de elefantes que desmatam áreas de vegetação ou de castores que constroem represas em rios com pedaços de troncos de árvores. Esta é uma abordagem inovadora para o campo da ecologia, já que o mais comum é que as pesquisas considerem as interações diretas entre as espécies ao invés de olharem para os efeitos indiretos que uma espécie pode ter sobre outras a partir das alterações que promovam no meio em que coabitam. A realização do artigo contou com a participação dos professores da Unicamp Mathias Pires, do Instituto de Biologia (IB), e Marcus de Aguiar, do Instituto de Física “Gleb Wataghin” (IFGW), além de pesquisadores dos Estados Unidos, Canadá e Alemanha.
Por conta da imensa variedade de ecossistemas existentes, cujas dinâmicas são marcadas pela complexidade, os pesquisadores utilizaram para o estudo modelos matemáticos derivados da física, baseados na ciência das redes complexas. Com isso, foi possível concentrar as análises nos aspectos essenciais dos ecossistemas, sem levar em conta variáveis que seriam consideradas em uma abordagem essencialmente da biologia.
“Não é só representar espécies como números e quantificá-las, devemos também levar em conta as interações que você considera fundamentais para estudar o fenômeno que você analisa. Então você desconsidera vários detalhes, na Física isso é muito comum. A Biologia é complexa, tudo é importante, tudo influencia. Ainda assim, alguns elementos influenciam mais do que outros. No nosso caso, você tem que pensar ‘no que eu estou interessado em descrever? O que de fato é fundamental para descrever o fenômeno?’ Aí você reduz só àqueles elementos, desconsidera os detalhes e vê o que acontece”, explica Marcus de Aguiar.
Outra característica do estudo é que ele não se baseia em um ecossistema real, como a mata atlântica brasileira ou as savanas africanas. As simulações são realizadas a partir do conhecimento e dados existentes sobre como ocorrem as interações entre espécies e o ambiente, mas considerando um espaço em processo de configuração pela própria dinâmica da natureza. Dessa forma, os pesquisadores acrescentam nele espécies e interações que se mostram essenciais e conseguem mensurar o papel e a importância de cada elemento.
“No fim das contas, o nosso modelo simula o que acontece quando surge uma ilha vulcânica, por exemplo, onde primeiro há um terreno limpo e depois ocorre a colonização por espécies, um ecossistema novo vai sendo criado”, ilustra Mathias Pires. O professor explica que nesse processo são analisados fatores ecológicos como o número de níveis das cadeias alimentares formadas, a quantidade de interações possíveis entre as espécies e quantas delas ocorrem de fato, o grau de especialização dos organismos, ou seja, se interagem com apenas uma outra espécie ou com várias e, finalmente, a quantidade de espécies possíveis de existirem no mesmo espaço.
Com isso, o modelo desenvolvido pelos pesquisadores dá a liberdade de projetar ecossistemas com mais ou menos espécies, com maior ou menor grau de especialização e potencial de interagirem com outras. Dependendo do que os resultados matemáticos apontam, eles sabem se o modelo é realista ou não. “O que é legal de um trabalho teórico é que você pode colocar e retirar elementos à vontade. Você pode verificar qual a importância desses elementos no sistema. Se eu tirar isso, será que ele (sistema) continua realista? O que é realmente importante para reproduzir o que observamos?”, reflete Marcus.
Contribuições das espécies engenheiras
A partir da possibilidade de inserir espécies diferentes na dinâmica dos ecossistemas simulados, a pesquisa chegou a uma novidade antes pouco explorada pelos estudos da área: os dados obtidos pelas simulações matemáticas apontam que espécies que interagem com o espaço natural em que vivem provocam impactos significativos para outras espécies, favorecendo o estabelecimento de novas espécies no mesmo local e garantindo uma dinâmica maior nesses ambientes, tornando o ecossistema mais estável.
“O que a gente vê é que, quanto mais dessas espécies capazes de modificar o ambiente você coloca no nosso modelo, mais rápida é a aquisição de novas espécies. É como se elas estivessem mesmo moldando, reorganizando o ambiente, facilitando a colonização por novas espécies. Se você tem poucas dessas espécies, há muitas extinções no início”, explica Mathias Pires. Esses efeitos das espécies chamadas “engenheiras de ecossistemas” podem ser diversos. Por exemplo, as tocas escavadas por tatus no solo são aproveitadas por outros animais que procuram abrigo. Outra espécie do tipo são as bromélias, cujas folhas acumulam água onde podem se desenvolver outros tipos de organismos como insetos. “O que a gente mostra com as simulações é que esses efeitos sobre o ambiente podem moldar como o ecossistema funciona. Não é algo que seja desprezível”, ressalta o professor.
Se por um lado as interações indiretas propiciadas por uma espécie podem beneficiar várias outras, a extinção dela também pode resultar em uma cadeia de extinções mais intensa do que pode ocorrer entre espécies que estabelecem entre si uma relação de predador-presa. Sem as tocas escavadas pelo tatu, várias espécies deixam de ter um local seguro para procriar e se protegerem de predadores. “Quando uma espécie é extinta, não quer dizer que só ela morreu. Se uma outra espécie a consome, ela também vai ser extinta. Então a extinção de uma espécie pode provocar uma cascata de extinções.Se você não tem esses engenheiros de ecossistemas no modelo, essas extinções são mais pronunciadas, o sistema é mais instável”, reflete Marcus, chamando a atenção para a complexidade existente nessas relações.
Efeitos da humanidade e evolução
A pesquisa que resultou no artigo publicado pela revista Nature Communications integra os estudos realizados por um grupo de trabalho ligado ao Instituto Nacional de Síntese Matemática e Biológica (National Institute for Mathematical and Biological Synthesis) – NIMBioS, centro de pesquisas sediado na Universidade do Tennessee, nos Estados Unidos, que relaciona conhecimentos da biologia e da matemática. Com o desenvolvimento do modelo, os professores avaliam a possibilidade de novas pesquisas adicionando outras variáveis que ainda não foram consideradas nos estudos.
Eles destacam o potencial de avaliar as interações que podem ocorrer entre ecossistemas distintos, algo que não foi ainda contemplado pelos estudos. Outra possibilidade é a de avaliar os efeitos da evolução das espécies ao longo do tempo e como ela se relaciona com as interações estabelecidas entre espécies e o ambiente, assim como a forma com que essas interações podem afetar o percurso da evolução.
Uma terceira reflexão estimulada pela pesquisa é a de que a atuação do homem como espécie engenheira dos ecossistemas também possam ser avaliadas. Dessa forma, os pesquisadores reconhecem o quanto somos uma espécie animal que modifica os ambientes naturais de forma muito mais intensa se comparada a outras espécies, o que revela a importância de se investigar a complexidade envolvida nos ecossistemas e recorrer a ferramentas que a tornem mais palpável e compreensível. “O mundo real é bem mais complexo do que a gente consegue trabalhar nos modelos matemáticos, mas os modelos são a ferramenta para desvendarmos essa complexidade”, reconhece Mathias Pires.
O artigo completo está disponível no site da revista Nature Communications.
Este texto foi originalmente publicado por Portal da Unicamp. Leia o original aqui.