Por Gilberto M. Jannuzzi*

O enfrentamento da pandemia do COVID-19 trouxe de maneira didática e contundente a importância de esforços coordenados para endereçar um problema global. Esforços de cientistas, governos, sociedade civil, agencias multilaterais e setor privado.  Nem tudo ocorreu (e ocorre) em completo consenso conforme bem sabemos. Como brasileiros conhecemos os resultados trágicos desse dissenso entre os agentes nacionais e subnacionais. Pois bem, o problema da Mudança do Clima é bastante similar e é um esforço conjunto de países desde 1988 quando se iniciou o IPCC, um esforço de conjunto de governos nacionais e sua comunidade científica para entender, buscar estratégias de mitigação e adaptação para a humanidade. Do mesmo modo, também há problemas de implementação, apesar de acordo pactuado em 2015: O Acordo de Paris.

A busca por imunizantes, estabelecimento de protocolos de tratamento e prevenção da COVID-19 são iniciativas absolutamente necessárias, no entanto não são suficientes para resolver o problema global. Sem a intensa participação e implementação coordenada entre países, seus governos locais e mesmo da população não tem sido possível controlar a epidemia.  O mesmo acontece com o enfretamento global e cumprimento de metas acordadas de redução de emissões. Ambos, a pandemia e Mudança do Clima, impactam negativamente as economias, a rotina e a saúde da população. A grande diferença entre elas é a velocidade de como vemos e percebemos as transformações, principalmente os impactos nos índices de mortalidade.

A pandemia provocou de imediato um hiato no ritmo de crescimento econômico generalizado, mas muitos países estão aproveitando esse momento para repensar suas estratégias de desenvolvimento do setor energético na direção de uma economia de baixo carbono e de uma economia de zero-carbono após 2050. Finalmente em linha com os estudos e recomendações do IPCC. Isso está sendo feito em quatro eixos essenciais: a) tecnologias: integração crescente e acelerada de fontes renováveis, sistemas inteligentes de controle e automação, armazenamento de energia, digitalização da economia e mobilidade elétrica; b) transformação da infraestrutura dos sistemas de transporte e distribuição de energia juntamente com a infraestrutura urbana, da indústria, uso da terra e agricultura; c) reformas institucionais e regulatórias para facilitar novos negócios e transformação do mercado de energia; d) melhor compreensão dos estilos de vida e comportamento do consumidor, que passa também a ser um produtor de energia e agente fundamental de eficiência energética.

É sobretudo, imperativo nesse momento saber escolher os caminhos da transição energética que realmente nos interessa. E é aqui que o componente de dimensões humanas mencionado adquire relevância: é necessário que essa transição energética seja socialmente inclusiva. As diferentes cadeias de valor e de utilização de energia (renovável) precisam considerar questões de gênero como parte integrante das escolhas. Isso é perfeitamente factível e compatível com tecnologias que já existem, mas esforços são necessários no âmbito das instituições e da regulação energética para que o setor financeiro e novos modelos de negócio passem a incluir os grandes e pequenos grupos sociais tradicionalmente marginalizados e que promovam maior equidade e diversidade de gênero. Não é um problema tecnológico e sim uma re-orientação de planejamento buscando maior sustentabilidade econômica, social e ambiental tanto na oferta como na demanda de energia. Isso está sendo observado por alguns países. O Reino Unido é um deles.

Nesse momento quando o país enfrenta novamente uma crise de fornecimento de eletricidade, é pedagógico revisitar com humildade nossos brados de sermos o maior sistema renovável de energia do planeta. Mudança do Clima nos faz dar conta da fragilidade de nosso sistema energético, que nos faz refém de um caro e obsoleto back-up de tecnologias e energia fóssil. Com isso agravamos de quebra nossa contribuição para aumento de emissões de carbono e nos afastamos de rotas virtuosas da economia de baixo carbono e mesmo da direção de uma economia baseada em hidrogênio.  

Estados e municípios passam a ter maior protagonismo e inovar políticas e iniciativas para resolver crises. Novamente a pandemia trouxe alguns exemplos (positivos e negativos) das ações subnacionais frente a dificuldades do governo central.

No Brasil, alguns setores importantes para geração de energia renovável e uso eficiente de energia estão na alçada de governos estaduais e municípios, por exemplo saneamento, planejamento urbano, códigos de edificações, iluminação pública.

Relevante registar o fato recente do governo de Minas Gerais de neutralizar suas emissões de carbono até 2050, antecipando o pleito federal que é para 2060 e fortemente condicionado a financiamento internacional da ordem de 10 bilhões de dólares/ano. Minas Gerais, o primeiro estado a se movimentar nessa direção, também se associa a uma moderna agenda tecnológica e de política pública para atrair empresas como fábrica de veículos elétricos e baterias, e voltar sua atenção para recursos de energia solar e aproveitamento energético de resíduos urbanos e rurais.

Alguns estados e municípios brasileiros já começam a ter planos para monitorar e reduzir suas emissões de carbono. Esse protagonismo é fundamental e é tão importante quanto uma coordenação competente e inteligente no âmbito nacional para que ao menos o país cumpra seus compromissos de Estado assumidos no Acordo de Paris.

 

Observação: Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Unicamp.


Gilberto M Jannuzzi

Pesquisador Senior NIPE-Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético e Professor do Curso de pós-graduação em Planejamento de Sistemas Energéticos – PSE da Faculdade de Engenharia Mecânica – FEM UNICAMP