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Carta de repúdio às declarações do Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles

Na Semana Mundial do Meio Ambiente, o Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais – NEPAM e o Doutorado em Ambiente e Sociedade, da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, vêm a público repudiar as declarações do atual Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

O ministro durante a reunião ministerial de 22 de abril de 2020, sugeriu aproveitar a crise sanitária atual, em que a mídia está majoritariamente voltada à cobertura da pandemia da Covid-19, para “ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas [ambientais] (…) de baciada”. Essa declaração demonstrou que, para ele, o momento da pandemia é apenas uma oportunidade de agir sorrateiramente, aproveitando se da situação crítica em que toda a sociedade brasileira está sensibilizada pela perda de quase 30 mil pessoas, para enfraquecer todo o conjunto de códigos de regramento ambiental no país.

A atitude do Ministro Salles atenta contra a construção histórica da legislação ambiental brasileira, constituída, e comprova o projeto do atual governo de desmantelar programas, planos e equipes voltados para os sistemas de conservação e proteção do patrimônio ambiental. Confirma, portanto, que paulatina, mas deliberadamente, estão desmontando décadas de construção coletiva de leis e normas que visam conservar os serviços ecossistêmicos e conciliar a conservação dos recursos naturais com o desenvolvimento dos setores sócio-produtivos, de forma sustentável.

O atual governo escolheu a via da desconstrução, do desregramento e desregulamentação das leis ambientais, conforme as palavras de Salles: “mudança infralegal em termos de instrução normativa e portaria”, para beneficiar um modelo de desenvolvimento econômico ultrapassado e destrutivo, e avançar sobre biomas ameaçados, em especial, as áreas florestadas na Amazônia e na Mata Atlântica.

Confirma o descompromisso com as populações indígenas, povos e comunidades tradicionais e com a qualidade de vida de toda a sociedade e das gerações futuras. O desmatamento cresce, assim como cresce a violência, ameaças e mortes de lideranças; ataques à organizações civis e aos profissionais que atuam com foco na conservação ambiental. Evidencia que este é um governo que pactua com medidas anti-democráticas e antiambientais, que age por intermédio do ministro Salles.

Confirma o descaso e o objetivo de descumprir os tratados e acordos das convenções internacionais, como ocorreu com as ameaças de uma possível saída do Brasil do Acordo de Paris. Na última conferência do clima em Madri (COP-25), Salles recebeu dois “anti prêmios” (Fóssil do dia) marcantes: um pela culpabilização de ONGs pelas queimadas de 2019 no bioma Amazônico, e o outro por legitimar a grilagem de terra e fornecer anistia aos criminosos.

Confirma ainda, que ignoram o esforço da ciência, desqualificam o conhecimento científico, desconsideram os profissionais altamente especializados e a memória de todos que construíram a governança ambiental brasileira. Enquanto isso, o mundo investe em ações para enfrentar a pandemia e mostram que as questões estudadas pelas ciências ambientais apresentam caminhos para solucionar muitos dos problemas associados à pandemia. A pandemia permitiu ampliar a compreensão sobre a importância da biodiversidade, pois destruí-la significa comprometer os serviços ecossistêmicos e aumentar as possibilidades de outras novas epidemias, um importante feedback para reforçar a necessidade de ampliação dos sistemas de monitoramento ambiental e combate ao desmatamento e degradação dos ecossistemas, não o contrário.

A ideia da atual gestão, ao que tudo indica, é provocar um gigantesco retrocesso na governança ambiental brasileira, que passa pela redução de orçamento e quadros técnicos, perseguição de seus agentes, indulto e até mesmo anistias para aqueles que cometeram crimes ambientais. Frente à gravidade da pandemia, tentar enfraquecer a legislação ambiental, não deveriam ser prioridade do atual governo.

Por fim, vale realçar nossa inconformidade com o fato do país estar deixando no passado seu papel de liderança internacional entre os países emergentes por adotar e implementar diretrizes claras rumo à sustentabilidade, para relegá-lo à posição de pária no mundo atual. Estamos certos de que a manutenção da floresta em pé, ao contrário do que muitos pensam, pode contribuir enormemente para a riqueza do país e para o bem estar social de populações vulneráveis. Essas evidências não representam apenas a cultura ideológica verde, mas agregam-se a um amplo espectro da sociedade científica do Brasil e do mundo. Muitas soluções e demandas de um “mundo pós-pandemia” se relacionam diretamente com as interações entre a sociedade e a natureza e o enfrentamento da emergência climática.

Estamos de luto, por tudo que representa o meio ambiente no Brasil, por todos que sucumbiram lutando pela conservação e somamos a nossa dor, ao sofrimento de todos os familiares e vítimas da Covid-19.

Assinam essa carta de repúdio: Professores; Pesquisadores; Alunos; Egressos; Funcionários do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais da Universidade Estadual de Campinas e o Programa de Doutorado em Ambiente e Sociedade – NEPAM – UNICAMP.

3/6/2020